Na medida certa, o mobiliário montessori ganha o mercado infantil ao oferecer ergonomia, acessibilidade e, o mais importante, independência aos pequenos.
Por Redação/ Fotos: Oda Scatolini
Poucos sabem, mas o caminho para a independência dos filhos começa quando ele ainda está protegido no ventre da mãe e a maior preocupação do casal gira em torno da decoração do quarto do bebê. “Em vez de móveis na escala tradicional, na altura-padrão dos adultos, o mobiliário infantil pode focar na ergonomia, acessibilidade e autonomia dos pequenos”. A afirmativa vem do design Oda Scatolini, especializado em móveis montessori.
Oda se inspira em Maria Montessori, que criou o método de educação centrado no respeito às fases de desenvolvimento cognitivo da criança. Talvez a educadora nunca tenha desenhado um móvel, mas ao buscar proporcionar independência à criança, deixando tudo o que for necessário ao seu alcance, ela sugeriu um padrão de altura compatível com os pequenos. “Os móveis de inspiração montessoriana oferecem exatamente isso. Ao olhar ao nosso redor, deparamo-nos com casas e mobiliário feitos apenas para adultos”, explica o designer.
Entre os pais, quem opta por esses produtos tem uma concepção de infância diferenciada do senso comum, além de uma maior consciência ambiental. Oda analisa: “Eles estão em busca de conforto, beleza, responsabilidade ambiental e de um desenvolvimento cognitivo pleno para seus filhos, com base na autonomia. Além disso, são pais que reconhecem o valor do trabalho artesanal, uma atividade cada vez mais escassa nos dias de hoje”.
O início de tudo
Na vida de Oda, o gosto pelo trabalho artesanal de móveis infantis começou há dois anos, quando uma doula pestes a ganhar neném encomendou-lhe um co-sleeper – extensão da cama dos pais. “Foi especialmente gratificante. Decidi continuar neste nicho e, pesquisando sobre o assunto, acabei compreendendo ser possível desenvolver peças para crianças em consonância com diversas filosofias ou teorias pedagógicas, não somente a montessoriana”, relata o designer.
Exemplo disso é o próprio co-sleeper. À margem da pedagogia montessoriana, esse móvel representa mais do que um prolongamento da cama dos pais, pois dormir ao lado deles traz uma série de benefícios para desenvolvimento dos bebês. Já o conhecimento da linha montessoriana despertou em Oda Scatolini o interesse em propiciar liberdade aos pequenos desde cedo.
O quarto montessoriano ideal
Idealmente, o dormitório criado a partir dessa linha deve ser planejado e montado antes mesmo do nascimento do bebê. Ao deixar o co-sleeper, por volta dos cinco ou seis meses de idade, o pequeno precisa ir para um espaço planejado de acordo com sua idade. Nele, a cama baixa precisa proporcionas segurança e, ao mesmo tempo, liberdade para a criança. Assim ela poderá subir e descer sem a ajuda dos pais, diferentemente dos berços convencionais usados nesta fase.
“Não há um limite de idade para ser utilizado, embora possivelmente no início da adolescência a criança vai querer mudar para um ambiente jovem”, supõe. E quanto ao padrão? Existem medidas estabelecidas para a fabricação desses móveis? “Ainda não”, responde Oda. “Por isso, quando estou desenhando uma peça, recorro a informações sobre ergonomia para diferentes idades”.
Móveis montessori: sustentabilidade
Oda trabalha quase exclusivamente com madeira lyptus. O material é um híbrido de duas espécies de eucalipto seco em estufa. Produzido no Brasil e vendido mundo afora como a “madeira nobre do futuro”, por causa da semelhança com outras espécies nobres, o lyptus é certificado pelo Cerflor – certificação Florestal – e tem crescimento extremamente rápido.
“Ele precisa de apenas 15 anos para atingir o ponto de corte, enquanto algumas espécies produzidas no exterior, em clima temperado, necessitam de 60 anos”, explica o designer. O sistema de cultivo sustentável também garante que a cada árvore cortada uma seja replantada.
A consciência ambiental é um diferencial nos produtos de Oda. “Sabemos que grande parte dos recursos naturais utilizados como matéria-prima são finitos. Muitos itens infantis produzidos com plásticos não recicláveis, ao fim da vida útil, passam a ser lixo em nosso planeta, levando séculos até desintegrarem. Com a madeira é diferente. Ela é o material mais sustentável que existe.”
Montagem com encaixes e colagens
A marcenaria dos móveis montessori é tradicional. Ela utiliza encaixes e colagens no lugar de pregos e parafusos. Esse é um modo de evitar o uso de materiais industrializados. “Essa característica está em consonância com a sustentabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, é uma opção estética. Não chega a ser uma questão financeira, pois a montagem de um móvel seria muito mais rápida – portanto, econômica – caso fosse realizada com pregos e parafusos, em vez de encaixes minuciosamente calculados e executados”, conclui o designer.
A madeira escolhida para o trabalho é a maciça semibruta, cujo processo é trabalhoso, mas oferece a vantagem de maior durabilidade, em comparação ao mobiliário feito com a processada – MDF, aglomerado, entre outros. Durante a fabricação, o designer produz cada componente do móvel: aplaina, desengrossa, corta, faz encaixes, lixa, monta, cola e realiza o acabamento. No processo são utilizadas ferramentas elétricas.
Oda admite que, às vezes, é preciso abrir concessões. “Na cômoda com guarda-roupas, por exemplo, utilizo dobradiça de metal, ideal porque proporciona maior segurança. O sistema de fechamento é lento e evita que a criança prenda a mão e se machuque. Mas dispenso a corrediça industrial quando posso produzir uma de madeira em minha oficina.”
Acabamentos naturais atóxicos
Outra peculiaridade no trabalho do designer é o uso de acabamentos naturais e atóxicos, como cera de abelhas e óleos vegetais, que proporcionam um efeito bonito, durável e renovável.
Duas vantagens podem ser observadas nesse processo: a ambiental e a da saúde do pequeno usuário, a criança. A primeira diz respeito à produção. Ao utilizar materiais renováveis, o impacto na natureza é bem menor em comparação ao causado por tintas, vernizes ou stains. A segunda vantagem abrange a saúde do bebê ou da criança.
“Os níveis de compostos orgânicos voláteis (VOCs) dos produtos naturais são incomparavelmente menores aos dos produtos à base de hidrocarbonetos. Os VOCs – presentes em grande quantidade em tintas e vernizes convencionais – podem causar alergia, irritação e até câncer”, analisa Oda.
E o valor, é acessível?
Oda garante: “um móvel da linha montessori não tem custo maior”. O designer explica que a peça se torna mais cara comparada a um móvel convencional por causa da produção artesanal. “Ela é mais lenta. Cada peça é feita com carinho, um móvel é produzido de cada vez. O design econômico busca linhas simples, bordas suaves e funcionalidade”, justifica. E mais: o extremo cuidado se reflete desde a fabricação até a escolha da melhor matéria-prima, uma vez que o designer não abre mão de saber de onde vem o material e se ele foi produzido ou cultivado com responsabilidade ambiental.
Ao final têm-se em mão um móvel duradouro, pronto para ser adaptado ou repassado para outras crianças durante muitos anos. Uma peça única, cujo maior valor é instigar nos pequenos o desenvolvimento da independência, tão importante a cada ser humano.
Quem fez o quê?
Oda Scatolini, odascatolini@gmail.com, (61) 9848-0390