“Temos personalidades bem distintas, então, na hora de criar, essa diferença torna-se um tempero importante. Abrimos espaço para o outro. É uma troca constante.”
Por Vanessa Moura/ Foto Mariana Boro
Sócios no estúdio Nada Se leva – por sinal, nome muito criativo, inspirado no filme Do Mundo Nada Se Leva –, os designers André Bastos e Guilherme Leite Ribeiro procuram usar em suas obras interpretações atuais para referências do passado. Talvez esse seja o segredo do sucesso da dupla, que desde 2005 surpreende cada vez mais ao criar móveis e acessórios carregados de história e personalidade. Em entrevista para o Cordel de Achados, eles contam um pouquinho da trajetória da dupla. Curta aí!
Cordel de Achados. Em que momento da vida você parou e disse: “Eu quero ser designer”?
Guilherme Leite Ribeiro. Sempre gostei de criar. Ainda na escola, aos 7 anos, vivia revirando um baú com vários retalhos de tecido, garrafas PET, enfim, apetrechos disponibilizados para os alunos brincarem. Queria criar algo novo. Mas o momento de descoberta aconteceu no segundo ano de faculdade de belas artes em Nova York, faculdade, onde lancei, com amigos, uma revista de arte, moda e comportamento. A publicação foi vendida nas bancas durante dois anos. Foi aí que tomei gosto! Sou designer gráfico de formação, atuei nesse mercado por mais de 20 anos em NY e no Rio de Janeiro, antes de ingressar em 2003 para o design de produto. Acredito que é algo presente no sangue da gente. (Risos)
Veja Produtos criados pelos designers Guilherme e André, do estúdio Nada Se Leva
CA. Fale sobre suas referências e inspirações.
André Bastos. Muitas referências vêm da própria vivência. Viagens, museus e a História nos inspiram. Algumas coleções nascem do nosso próprio desejo de consumo, algo que falta ou não existe mais no mercado. Como temos uma veia romântica, revisitar o passado é a maneira de extravasar esse nosso lado. Usamos o passado como referência – sempre de forma atual –, respeitando a essência da inspiração original. É o material e a tecnologia aplicada que trazem o tom de modernidade.
Guilherme Leite Ribeiro. Acompanhamos o trabalho dos irmãos Bouroullec (bouroullec.com) há anos. Admiramos muito a elegância e originalidade do traço deles. Adoramos também o universo lúdico e irreverente do espanhol Jaime Hayon (hayonstudio.com) e dos franceses Antoine e Manuel (antoineetmanuel.com). E o fetiche cool de Nika Zupanc (nikazupanc.com) nos encanta. Pessoalmente, tenho uma paixão pelo trabalho do Jean Prouvé e Charlotte Perriand.
CA. Qual é a importância dos materiais no processo criativo do estúdio Nada Se Leva?
André e Guilherme. Na hora da criação, nem sempre pensamos no material que será usado, mas, quando temos um desenho que nos agrada, aí, sim, começamos a explorar as possibilidades. Neste momento, procuramos uma comunhão perfeita, porque muitas vezes o desenho “pede” o material. Precisamos estar sempre atentos a esse pedido! Diferentemente de alguns designers, não temos uma matéria-prima predileta. Trabalhamos com madeira, aço, acrílico, Corian®, estofados etc. Adoramos aliar uma nova tecnologia a um material inovador.
Cordel de Achados. Todos os profissionais de criação enfrentam, em determinado momento, o temido bloqueio criativo. Como vocês lidam com ele?
André e Guilherme. Temos personalidades bem distintas. Na hora de criar, essa diferença torna-se um tempero importante. Reconhecemos a fortaleza de cada um e respeitamos isso, abrindo espaço para o outro, para chegarmos ao melhor resultado possível. É uma troca constante. As ideias são tratadas como um jogo de vai e vem, e o resultado é a nossa personalidade no produto final. Por sermos uma dupla, levamos uma certa vantagem: é raro os dois estarem “bloqueados” ao mesmo tempo. Quando isso acontece, é imperativo não forçar a criação. Nesse momento, é melhor se distanciar, abrir um livro ou ir ao cinema! (Rs)
Cordel de Achados. Como vocês enxergam o design no Brasil?
André e Guilherme. Acredito que vivemos um momento importante. Temos ótimos exemplos de uma nova geração de designers. A dúvida é ver se existe espaço no mercado para tanta gente criativa e com um potencial incrível – mas infelizmente pouco valorizada pelas indústrias. Um grande empecilho é a falta de investimento no design. São raras as fábricas preocupadas em criar produtos assinados para o mercado brasileiro, e muito menos para o exterior. Consequentemente, isso dificulta a produção em série, deixando o produto caro e pouco comercial para o consumo interno e externo. Por outro lado, temos alguns cases de sucesso, como a Allê Design, que investe forte no design nacional e internacional. Hoje, é possível encontrar nossas peças produzidas pela Allê Design na Europa.
Cordel de Achados. O que é exatamente o projeto Cultura em Foco?
André e Guilherme. O principal objetivo do projeto é promover o aumento de renda e garantir a autossustentabilidade das atividades praticadas pelos artesãos de Santa Luzia do Itanhy (Sergipe). Para nós, sustentabilidade é atitude. É o consumo responsável, uso consciente e o reconhecimento do impacto que temos sobre nosso meio ambiente. Então, quando a Renata Piazzalunga, diretora do projeto Cultura em Foco, nos procurou para participar dessa ação, abraçamos a oportunidade imediatamente. Trabalhamos com as costureiras e seus fuxicos. O pixel serviu como ponto de partida para a criação das estampas de pied-de-coq (gigantes) e tartan, mantas e almofadas feitas à mão, conforme a tradição. Cada artesão trabalha sozinho em cada peça, para manter a precisão de padronagem, composta de microfuxicos de 1cm. Uma manta pode levar mais de dois meses para ser confeccionada. Não somente doamos o nosso tempo e os projetos, mas também nos comprometemos com a venda direta para os nossos parceiros, para garantir a compra da coleção em mais de 20 das melhores lojas de design do Brasil. Outro motivo de orgulho: a nova coleção de fuxicos foi levada para exposição em Londres, a convite da Clerkenwell Design Week.
Cordel de Achados. Como está a parceria com a La Lampe, algum lançamento previsto para o segundo semestre? Qual é a aposta do momento?
André e Guilherme. Estamos superanimados, pois já estamos no quarto ano de curadoria para a La Lampe… e com muito êxito! Como prestamos consultoria criativa e curadoria para alguns clientes, procuramos sempre respeitar a identidade e o histórico da marca. Nosso interesse é agregar e atualizar seus conceitos, sempre mantendo seu público em mente. Este objetivo nos ajuda a compor coleções que não somente apresentam a linguagem de estética do Nada Se Leva, mas também respeita a identidade e a visão de nossos parceiros.
Uma tendência que estamos explorando é a lâmpada incandescente exposta, uma luz que transmite uma atmosfera mais aconchegante– uma homenagem para um produto que está caindo em desuso. Para o segundo semestre, estamos apostando no dourado, no latão e no vidro. Também faremos uma homenagem à produção artesanal local, com base na valorização dos elementos culturais.
Saiba mais sobre o Nada Se Leva.